Começou o Vancouver International Film Festival
Épico com Mads Mikkelsen e (possível) último filme de Ken Loach são os destaques do meu primeiro dia que ainda teve muito Brasil-sil-sil!
O VIFF (ou Vancouver International Film Festival) é um primo com menos glamour do badalado TIFF, o Festival de Toronto. Entretanto, desde que moro por aqui, o festival que dura cerca de 10 dias sempre trouxe nomes de peso para suas edições.
Em 2019, assisti nada menos que: Parasita, Jojo Rabbit, História de um Casamento e Ford vs Ferrari, quase metade dos indicados ao Oscar de Melhor Filme em 2020. Aliás, a sessão do filme de Bong Joon-ho ficou marcada como uma das melhores que já fui na vida. Um dia conto aqui.
Mesmo depois de sofrer com a pandemia e ficar em versão online por um ano, o VIFF voltou em 2021 trazendo Red Rocket, com Sean Baker presente, e Ataque dos Cães. Em 2022, assisti entre outros, Triângulo da Tristeza, Decisão de Partir e Império da Luz.
Em 2023 a seleção traz alguns dos filmes mais badalados da temporada como The Zone of Interest, Anatomy of a Fall, Priscilla e The Boy and the Heron, novo de Hayao Miyazaki.
O plano é conseguir assistir o máximo possível e trazer os destaques aqui. Bora?
The Old Oak
O primeiro filme que assisti no VIFF 2023 foi The Old Oak e se você já viu algum dos filmes dirigidos por Ken Loach, você já sabe o que esperar. Loach é um dos grandes contadores de histórias de pessoas comuns, do cotidiano delas e da luta da classe trabalhadora. Seus filmes são cheios de críticas sociais e realidades doloridas, mas nunca perdem o otimismo naqueles que batalham pelo fim do mês.
The Old Oak é o nome de um Pub comandado por TJ, um homem solitário, acompanhado sempre pela cachorrinha Marra. A vida de TJ, do Pub e dos moradores do Condado de Durham muda com a chegada dos imigrantes refugiados da Síria, no já distante ano de 2016.
Loach então toma todo tempo possível, mas sem desperdício, para nos apresentar o dia a dia de TJ e a chegada dos novos moradores pelos olhos de Yara, uma jovem apaixonada por fotografia. Conhecemos alguns dos costumes da família dela, da mesma forma que vemos o cotidiano dele no bar e seu relacionamento com outros moradores dali.
O encontro de Yara e TJ logo se reflete nas nas atividades de cada um mais se relaciona na história: quem olha pelos outros e quem acolhe.
Loach não é e nunca foi sutil nas críticas que faz ao sistema e a opressão que ele exerce. A exposição de diversos momentos do filme e dos sentimentos dos personagens, sempre foi proposital.
Em The Old Oak, talvez olhando para o fim da sua jornada como diretor e para deixar o carimbo mais forte, Loach pesa a mão ainda mais. A gravidade da situação, tanto dos refugiados e a xenofobia europeia, quanto dos próprios moradores “locais” abandonados pelo Estado, pede que ele esfregue isso na nossa cara.
Mesmo assim, Ken Loach nunca perde o otimismo no povo. O olhar doce para Yara, mas principalmente para TJ, enche a tela com uma esperança que no segundo seguinte, ao abrirmos uma aba de notícia, já perderemos. Mas em The Old Oak e no cinema do diretor, pelo menos ele sempre vai perdurar.
Atiraram no Pianista
No segundo filme do dia, fui surpreendido com uma viagem para a minha terra natal: o Rio de Janeiro. E ainda fui para lá acompanhado de Jeff Goldblum e Tony Ramos. Dá para imaginar um encontro desses?
Pois em Atiraram no Pianista, um documentário em animação de Fernando Trueba e Javier Mariscal, isso se torna realidade.
O filme busca contar a história de Tenório Cerqueira Jr., pianista brasileiro desaparecido e morto em Buenos Aires durante uma turnê com Vinícius de Moraes e Toquinho. A Argentina, assim como o Brasil na época, vivia seu período de ditadura militar.
O grande barato de Atiraram no Pianista é que o filme é uma grande homenagem ao Brasil e nossa música. Jeff, o personagem dublado por Jeff Goldblum, viaja ao Brasil para escrever um livro sobre Bossa Nova e descobre a história de Tenório. A morte do pianista muda completamente o caminho do trabalho dele.
O filme traz depoimentos de gigantes da nossa música para falar de Bossa Nova e de Tenório: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Toquinho, João Donato e muitos outros nomes são enfileirados ao longo da uma hora e quarenta de filme. Todos com suas versões em animação, claro.
Por mais que peque um pouco no ritmo, Atiraram no Pianista é uma aula sobre a cultura brasileira e a cena musical do Rio de Janeiro. E não vou mentir que foi lindo ver os canadenses se balançando ao ritmo de Chega de Saudade e outros tantos clássicos.
Ah, o filme será a abertura do Festival do Rio. Então, quem puder, vá!
La Chimera
Não posso negar que fiquei um pouco decepcionado com La Chimera, novo filme de Alice Rohrwacher, diretora de Lazzaro Felice.
Acompanhamos Arthur, um “arqueólogo” inglês que vive na Itália roubando artefatos de tumbas. Ele é acompanhado por uma trupe que o seguem devido ao dom do “Englishman” de encontrar as tumbas e o dinheiro que fazem com a venda dos objetos. Nesse meio tempo, ele conhece Italia, interpretada pela (ótima) brasileira Carol Duarte. A jovem vive na casa da mãe do amor de Arthur e esconde alguns segredos.
Por mais que seja uma delícia ver o cotidiano de Arthur e dos companheiros italianos e tenha uma trilha sonora maravilhosa, La Chimera falha ao abrir diversos caminhos dentro da história sem concluir nenhum de forma satisfatória.
Ao contrário do filme de Ken Loach, que falei agora pouco, La Chimera não é uma janela para uma realidade que continua após os créditos finais. Há elementos mais fantásticos e a narrativa busca isso o tempo todo, seja na história de Beniamina, o amor de Arthur, seja no dom dele ou mesmo na decisão da diretora de diversas vezes quebrar a quarta parede.
Ao contrário do trabalho de Arthur para remendar as peças quebradas, La Chimera esquece de colar todas as peças e vende uma obra esteticamente linda, porém toda em pedaços.
The Promised Land
As credenciais de The Promised Land começam já na abertura. O filme foi selecionado para os festivais de Cannes, Toronto e Telluride, alguns dos mais importantes do mundo. Logo depois, o nome da sua grande estrela: Mads Mikkelsen. Além disso, na última semana, a Dinamarca nomeou o filme como o seu candidato para o Oscar 2024.
E as chances são grandes, viu?
O filme é um grande épico sobre Ludvig Kahlen, um ex-capitão que decide viver e cultivar no “Heath”, uma área abandonada e conhecida por não ter um bom solo e ser dominada por foras-da-lei. Ao longo da história, vamos descobrindo que a perseverança de Ludvig pelo cultivo e para ganhar um título de nobreza é mais do que simplesmente ambição.
A grande força de The Promised Land é Mads Mikkelsen. O ator, conhecido por estar tanto em filmes blockbuster como Casino Royale, Doutor Estranho e Animais Fantásticos e estrelar (e brilhar) em produções menores e premiadas, como A Caça e Another Round, traz no olhar e nas emoções contidas o drama de Ludvig. Esse drama envolve romance, afeição, resiliência, raiva e violência. É um trabalho complexo e que nunca cai no piegas do explorador em terras novas.
A cinematografia de Rasmus Videbæk e a utilização de luzes naturais é fantástica. A direção de arte é tudo que se esperaria de um grande épico hollywoodiano.
The Promised Land já é um dos grandes candidatos ao Oscar de Melhor Filme Internacional no ano e não duvidaria de, por causa dessa grande passagem em festivais, acabar entrando em outras categorias.
As chances são maiores do que a de Ludvig conseguir plantar algo no “Heath” pelo menos.